Traduzir “Olímpia”, de Betina González, um exercício de cálculo e risco

Silvia Massimini Felix

De Betina González, traduzi para a Bazar do Tempo o excelente A obrigação de ser genial, livro de ensaios nos quais a escritora explora os meandros da criação literária, e fiquei muito feliz com o convite para traduzir seu último romance, Olimpia. Trata-se de uma narrativa que mistura elementos ensaísticos e reflexão filosófica, explorando questões sobre humanidade, animalidade e a natureza do comportamento. Há termos ligados à biologia, psicologia, comportamento animal, que se cruzam com metáforas existenciais. Muitas passagens são reflexivas, como tratados sobre o medo, o corpo, a memória; a dialética ciência vs. natureza está sempre presente. É um romance que, por trás de uma aparente simplicidade, contém diversas camadas de leitura. A linguagem, por exemplo, é clara, mas sempre atravessada por imagens poéticas.

Olimpia é um romance que me desafiou como tradutora justamente porque não se prende a um único registro. Betina González, com uma prosa sempre elegante, escreve num tom que oscila entre o lírico, o ensaístico e o científico. Há passagens que soam como uma tese sobre o medo, outras como memória íntima, e outras ainda como narrativa oral. Essa variedade exigiu de mim não apenas fidelidade lexical, mas também uma atenção constante à variação de tons.

Minha tradução buscou ser fiel ao espírito da obra, mas também não tive medo de fazer pequenas adaptações quando senti que a imagem ou a cadência precisavam de outro caminho para soar naturais em português. Por exemplo: por meio de um pequeno trecho, podemos observar como às vezes minúsculas mudanças tornam o texto mais fluido da língua de partida para a língua de chegada: “Porque quien salta al vacío no es ni un improvisado, ni un imprudente, ni un suicida. Es puro cálculo. Su unidad mínima es el segundo, es ahí que se juega su máxima concentración de diseño y escritura”. Na tradução: “Pois quem pula no vazio não é improvisado, nem imprudente, nem suicida. É puro cálculo. Sua unidade mínima é o segundo, é aí que está em jogo sua concentração máxima de programação e escrita”. Saliento no trecho a palavra diseño, que em espanhol pode remeter tanto a desenho quanto a projeto ou plano. Se optasse por “desenho e escrita”, teria preservado a literalidade, mas achei que em português essa combinação poderia soar plástica, quase visual, perdendo a dimensão de cálculo. Preferi “programação e escrita”, pois traz a ideia de planejamento minucioso, como um código, o que ecoa melhor o caráter matemático do salto.

E traduzir Olimpia foi, para mim, como acompanhar os próprios saltos ornamentais da personagem Lucrecia: um exercício de cálculo e de risco. Uma experiência de tradução muito gratificante.


Silvia Massimini Felix é tradutora literária do espanhol, idioma do qual traduz há cerca de 25 anos. Nos últimos anos, tem se dedicado na maior parte do tempo à tradução de autoras latino-americanas contemporâneas. Em 2023, foi premiada pela FNLIJ e incluída na IBBY Honour List 2024 pela tradução de Kramp, da chilena María José Ferrada. Formada em Letras e mestre em Literatura Espanhola pela Universidade de São Paulo, também atua como preparadora de textos. Para a Bazar do Tempo traduziu, além de A obrigação de ser genial e Olímpia (lançamento em 2026), de Betina Gonzalez, os livros Livrarias, de Jorge Carrión, e As vira-latas, de Arelis Uribe.

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