Katherine Angel
Tradução Rita Paschoalin
Amanhã o sexo será bom novamente põe uma lupa na noção de consentimento e ressalta que a responsabilidade pela segurança das mulheres segue sendo colocada exclusivamente nelas, sem que se leve em conta as relações de poder que permeiam nossas vidas. Um livro necessário em um debate que parece nunca ter fim – por quê? Angel tem algumas suposições interessantes. No trecho a seguir, uma amostra do caminho seguido pela autora em seu livro inspirador.
Trecho original (Inglês)
When do we ask women to speak, and why? Who does this speaking serve? Who is asked to speak in the first place – and whose voices are listened to? Though any woman’s allegation of sexual violence tends to encounter powerful resistance, wealthy white women’s accounts were privileged during #MeToo over those, for example, of young black women whose families had sought justice from musician and sexual abuser R Kelly for decades. Studies show that black women reporting crimes of sexual violence are less likely to be believed than their white counter parts (with black girls seen as more adult- like and sexually knowing than their white peers), and that rape convictions relating to white victims lead to more serious outcomes than those relating to black women. Not all speech is equal. And yet it is not only in retrospect that women are urged to speak – it is also prospectively, into the future, protectively: clear speech is a necessary ingredient for preventing future wrongs, not just addressing past ones. In recent years, two requirements have emerged for good sex: consent and self-knowledge. In the realm of sex, where the ideal, at least, of consent reigns supreme, women must speak out – and they must speak out about what they want. They must, then, also know what it is that they want. In what I’ll call consent culture – the widespread rhetoric claiming that consent is the locus for transforming the ills of our sexual culture – women’s speech about their desire is both demanded and idealized, touted as a marker of progressive politics. (...) Sex has been, and still is, prohibited and regulated in myriad ways, and women’s sexuality in particular has been intensely constrained and policed. But Foucault’s point is worth dwelling on. We are, yet again, in a moment in which it seems to be tomorrow – a tomorrow just on the horizon, close enough to touch – that sex will be good again; a moment in which we conjure away the present and appeal to the future, armed as we are with the tools needed to undo past repression – the tools of consent, and, as we’ll see, of sex research. But speech and truth-telling are not inherently emancipatory, and neither speech nor silence is inherently liberating or oppressive. What’s more, repression can operate through the mechanisms of speech, through what Foucault called the ‘incitement to discourse.’ Consent, and its conceit of absolute clarity, places the burden of good sexual interaction on women’s behaviour – on what they want and on what they can know and say about their wants; on their ability to perform a confident sexual self in order to ensure that sex is mutually pleasurable and non-coercive. Woe betide she who does not know herself and speak that knowledge. This, as we’ll see, is dangerous.
Tradução (Português)
Quando pedimos às mulheres que falem, e por que pedimos? A quem serve essa fala? Quem é chamada a falar, para início de conversa – e quais as vozes que são ouvidas? Ainda que qualquer alegação de violência sexual vinda de uma mulher tenda a se deparar com uma resistência poderosa, os relatos de mulheres ricas e brancas foram privilegiados durante o #MeToo, em detrimento, por exemplo, dos relatos de jovens negras cujas famílias tinham lutado por justiça durante décadas, nos casos envolvendo o músico e abusador sexual R. Kelly. Estudos mostram que quando mulheres negras denunciam crimes de violência sexual, as chances de acreditarem nelas são menores do que quando a denúncia é feita por uma mulher branca5 (além disso, apontam que meninas negras são consideradas mais adultas e sexualmente conscientes do que as brancas) e que as condenações por estupro relacionadas a vítimas brancas levam a decisões mais severas do que em casos relacionados a mulheres negras.6 Nem toda fala é igual. E, ainda assim, não é só em retrospecto que as mulheres são encorajadas a falar – é, também, prospectivamente, de olho no futuro, de modo protetivo: um discurso claro é um ingrediente necessário para prevenir males futuros, não só para tratar dos que já se passaram. Nos últimos anos, surgiram dois requisitos para o bom sexo: consentimento e autoconheci mento. No domínio do sexo, pelo menos naquele em que o consentimento reina de modo supremo, as mulheres devem falar com clareza – e devem falar com clareza o que querem. Portanto, devem, também, saber o que querem. No que eu chamo de cultura do consentimento – a retórica amplamente difundida de que o consentimento é o locus para transformar os males de nossa cultura sexual –, o discurso das mulheres em torno do desejo é a um só tempo exigido e idealizado, promovido como um marcador de política progressista.(...) O sexo foi e ainda é proibido e regulado de inúmeras formas, e a sexualidade das mulheres em particular costuma ser muitíssimo controlada e policiada. Porém, vale a pena se debruçar sobre o argumento de Foucault. Estamos, mais uma vez, diante de um momento com um amanhã – um amanhã logo ali no horizonte, perto o suficiente para ser tocado – no qual o sexo vai ser bom novamente; um momento no qual conjuramos o presente e apelamos ao futuro, armadas com as ferramentas necessárias para desfazer a repressão do passado – as ferramentas do consentimento e, como veremos, da pesquisa sexual. Contudo, falar e dizer a verdade não são práticas emancipatórias em essência, e nem falar ou se calar é por si só libertador ou opressor. Além disso, a repressão pode se dar por meio dos mecanismos da fala, através do que Foucault chamou de “incitação ao discurso”. O consentimento e sua presunção de clareza absoluta colocam o fardo da boa interação sexual no comportamento das mulheres – no que elas querem e no que elas são capazes de saber e de dizer acerca de suas vontades; na habilidade de incorporar uma persona sexualmente confiante a fim de garantir que o sexo não seja coercivo, mas sim mutuamente prazeroso. Deus proteja aquela que não se conhece e não verbaliza esse conhecimento. Isso, como veremos, é bem perigoso.
Rita Paschoalin é tradutora editorial inglês-português. Formada em Letras/Inglês pela UFPB, com doutorado em Estudos da Tradução pela UFSC. Foi professora de inglês por mais de uma década, trabalhou com legendagem e tradução técnica. Atua como tradutora editorial desde 2021.