Marguerite Duras
Recentemente, tentei escrever um livro que deveria se chamar O homem que mente. Era sobre um homem que mentia. Ele mentia o tempo todo, para todos, sobre os eventos de sua vida. A mentira surgia em seus lábios antes mesmo das palavras para expressá-la. Ele não percebia. Não mentia sobre Baudelaire ou Joyce, tampouco para se vangloriar ou inventar aventuras que teria vivido. Não, nada disso. Ele mentia sobre o preço de um suéter, uma viagem de metrô, o horário de um filme, um encontro com um amigo, uma conversa repassada, um cardápio, uma viagem inteira, incluindo os nomes das cidades, sobre sua família, sua mãe, seus sobrinhos. Não tinha nenhum interesse especial. No início, era enlouquecedor. Depois de alguns meses, nos acostumávamos.
Esse homem era um escritor maravilhosamente talentoso. Era muito perspicaz, muito engraçado, muito, muito encantador. Também era um bom orador, de um talento raro. Um homem nascido na burguesia e com uma educação de príncipe. Criado por uma mãe solteira, como um rei deveria ser, sem que isso pesasse nada sobre sua naturalidade, seu charme. Se falo dele dessa maneira quase irresistível é porque ele era um amante, o amante das mulheres. Tinha o dom de vê-las, de conhecê-las com um único olhar até o cerne de seus desejos. E de ser perturbado por eles, de uma forma que nunca vi. Era isso que eu queria destacar, por meio desse dom que ele tinha de “agarrá-las” e amá-las antes mesmo de conhecer sua beleza, sua voz.
As mulheres eram o principal na vida desse homem, e muitas mulheres sabiam disso desde o primeiro contato, desde o olhar dele. Esse homem olhava para uma mulher, e já era seu amante.
No amor, ele era de uma brutalidade ao mesmo tempo controlada e selvagem, assustadora e educada.
Tentei várias vezes escrever sobre esse homem, mas vejam que, quando eu queria fazê-lo, a sua mentira escondia tudo dele, inclusive o rosto, o olhar. E eis que, de repente, pela primeira vez, foi possível. Ele tinha alugado um apartamento só para si. Refugiou-se lá para escapar de qualquer controle, de seus amigos e de sua família. Queria ser jovem, eternamente sedutor, ter uma vida de jovem, almoçar um croque monsieur, jantar em restaurantes e ter mulheres, todas as mulheres, as francesas no inverno e as jovens inglesas na primavera. No verão, ia para Saint-Tropez. Seguia as mulheres por seus caminhos. Era assim em 1950. Ele havia decidido viver completamente sua paixão pelas mulheres, até a dor, o perigo, não importando a idade que tivesse alcançado. Queria ser devastado por elas, sem perder nada de si mesmo nas garras das mulheres. Comportando-se como seu próprio desejo. Aquelas que ele havia seduzido, mesmo que apenas uma vez, através de um olhar numa rua, o ser de seu sexo nunca mais as esquecia. Quando estava dominado pelo desejo por uma mulher já escolhida por ele, vivia a predileção da paixão por ela. As outras mulheres deixavam de existir. Esses períodos de amor por uma única mulher tinham a intensidade de um amor divino. Nesses casos, ele não decidia nada. Não podia decidir sobre seu desejo por uma mulher, decidir por uma conduta prudente ou moderada em relação a ela. Só podia morrer de tanto desejá-la.
Era um homem magnífico, completo, em todos os sentidos da palavra, exausto de sempre morrer sem realmente morrer, esperando tanto pela morte quanto pela paixão. A única compreensão que ele tinha de si mesmo passava pelas mulheres. As mulheres o mergulhavam numa emoção trágica, incontrolável. Eu o vi em bares, à noite, empalidecer de repente com a aproximação de alguma delas, como se estivesse prestes a desmaiar. Enquanto a observava, ele esquecia todas as outras. Cada uma se apresentava a ele como a única e a última. E isso perdurou até a sua morte.
Essa morte ocorreu num dia de primavera em Étretat. Ele não morre dessa morte, desse impedimento abominável. De não poder tocar uma mulher por dois anos. Nem fumar. Nem amar. Nem beijar. Sua vida recomeça nessas condições. Mas o infarto foi muito grave. Morrerá disso dez anos depois.
Foi durante esses dois anos que ele continuou a escrever esse livro, iniciado muitos anos antes. Um livro de homem. Muito extenso, dos anos 1950. Com esse livro, recebeu o prêmio francês mais importante, o Médicis. Isso o deixou feliz.
A um amigo em comum, perto de sua morte, acredito, esse homem disse um dia que uma vez em sua vidas ele havia amado uma mulher de maneira duradoura. Que ele havia ficado vários anos sem traí-la, sem enganar uma mulher. E isso sem tê-lo decidido. Por quê? Ele não sabia. Uma só vez em sua vida uma duração tinha sido alcançada de forma exclusiva. Um amor. Por que isso tinha atingido essa intensidade com aquela mulher em vez de outra, ele não sabia.
Ele acreditava que não era por causa dele, mas provavelmente por ela. Que deveria ser sempre assim. Que era sempre a mulher, sempre, por meio do desejo dela, que deveria ser responsável pelo vínculo dos amantes. O amor, a história, tudo dependia da permanência do desejo da mulher. Quando o desejo da mulher cessava, o do homem também cessava. Ou, se não cessava, o homem se tornava miserável, envergonhado, mortalmente atingido, sozinho.
Ele acreditava que a mulher e o homem eram diferentes, mas de uma forma tão radical, em sua carne, seu desejo, sua forma, que poderiam ser considerados criações diferentes.
Ele morreu num quarto de hotel alugado por uma noite. Esse hotel é muito próximo do lugar onde eu moro. Dizem que ela era muito bonita, muito jovem, ruiva, de olhos verdes, como a mulher de seu romance, que ela acabara de se casar, que sempre o tinha rejeitado – até aquela noite.
Ela o espera. Ele chega atrasado. Ele leva o tempo necessário para aquilo. Fuma um cigarro. Há um ano ele voltou a fumar. Ele quer muito aquela mulher. Há meses que vem pedindo a ela de ir apenas uma vez com ele a um quarto de hotel. Ela cedeu. Ele está muito pálido. De uma emoção que ele mal pode conter. Desde o infarto, a cada nova mulher, ele tem medo de morrer. Sua morte dura um segundo. É uma morte súbita. Não dá tempo de ele dizer que a morte está ali. Ela contou isso depois. Num instante, ela reconheceu a morte pelo peso do corpo, ele já estava dentro dela. Ela soube no mesmo instante. Ela escapou do hotel. Ao passar pela recepção, ela disse que havia um morto no quarto tal, que era preciso avisar a polícia.[1]
A lembrança é muito precisa. Ele caminha por uma rua a passos largos, muito bem-vestido. Vemos de novo as cores, os sapatos ingleses com solado de ferro, um grande suéter cor mostarda, calças de veludo marrom claro. Ele caminha muito bem, com uma regularidade notável, é todo pernas, o corpo leve o carrega na caminhada feliz, ele não o contém. Ele caminha. Ele observa. Seu olhar vago denuncia um meio-sono e, no entanto, ele observa – é assim que aparece quando seu nome é dito: ele observa, procura, se esconde atrás do próprio olhar. Ele observa as mulheres da Chanel presas ao tédio das tardes de inverno. Uma vez, uma mulher muito jovem pediu para me ver para que eu lhe contasse sobre ele. Não era aquela do hotel. Ela mal tinha superado a tragédia que foi para ela a morte desse homem, procurava em todos os lugares alguém que fosse capaz de falar sobre ele de maneira satisfatória, com inteligência, profundidade, pureza. Eu não lhe disse nada, praticamente.
Nos conhecemos numa festa de Natal, à qual decidi ir sozinha para encontrar um amante, numa noite. Ele saiu da festa comigo e eu recuei, quis voltar. Tínhamos um amigo em comum, todo mundo se conhecia em Paris, como agora; ele ligou para esse amigo, sempre o mesmo, pediu a ele para me informar que ele me esperaria num café específico. Ele me esperou de cinco a seis horas por dia nesse café, sentado de frente para a rua, por oito dias. Eu resisti. Saía todos os dias, mas não ia àquele lado de Paris. Mas eu estava morrendo de vontade de viver um novo amor. No oitavo dia, entrei no café como quem vai para a forca.
Trecho do livro A vida material, a ser lançado em abril de 2025.
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[1]Duras fala de Gérard Jarlot (1923-1966), jornalista e escritor, um dos grandes amores de Duras e seu parceiro em projetos cinematográficos e teatrais. (N.E.)