Julia Romeu
Traduzir é escrever. Ainda que, talvez, deva-se colocar o adendo entre parênteses, (re)escrever, a essência do ato não muda. É sentar diante da página em branco e ficar a sós com a palavra. Se, com a obrigação de nos mantermos fiéis ao original, temos uma corda para nos guiar no escuro, isso não diminui a dificuldade, apenas a modifica. A dificuldade é ter menos liberdade, o que pode ser mais fácil em alguns trechos e mais difícil em outros. Mas lidar com esses trechos, pegar a argamassa de um original e remoldar em outra língua é também fazer literatura. A tradução literária é um trabalho autoral porque traduzir é escrever, simplesmente. Muitos são os gêneros de escrita e aquilo que todo tradutor literário sabe – e que todo leitor de literatura devia aprender – é que a tradução está entre eles.
No caso da tradução de clássicos, existe ainda a questão de como retraduzir aquilo que já foi traduzido, muitas vezes por alguém que admiramos. Para a Bazar do Tempo, traduzi dois livros que já contavam com traduções para o português brasileiro: Um quarto só seu, de Virginia Woolf, e A idade da inocência, de Edith Wharton. E, se já estavam traduzidos, por que retraduzi-los? Aí, mais uma vez, entra a questão autoral: a meu ver, sempre é válido retraduzir clássicos, pois cada tradução é única e trará uma visão individual do texto original. E, nessas obras que saíram pela Bazar, houve a alegria adicional de, com a permissão e a parceria da editora, poder incluir paratextos como prefácios e notas que enriquecem a obra e tornam o trabalho do tradutor mais visível para o leitor, algo de valor inestimável diante de um mercado editorial e de diversos resenhistas que, falando de livros em textos ou vídeos, esquecem de mencionar quem fez a tradução.
Se toda tradução é um diálogo com o original, na tradução de clássicos, podem entrar na conversa também as traduções anteriores desse original. Eu, como tradutora, prefiro não consultar versões anteriores do mesmo livro e tentar até esquecer as que já li, na medida do possível. Conheço tradutores de clássicos que escolhem uma saída diferente, o que é certo também. Não existe certo ou errado na tradução, pois não existe certo ou errado na literatura. A nós, autores, cabe sentar todos os dias diante da página em branco e seguir tentando, sempre.
Julia Romeu é escritora, tradutora e pesquisadora. Doutoranda com bolsa CAPES em Literaturas de Língua Inglesa na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde concluiu seu mestrado. Tem grande experiência como tradutora de autoras clássicas, com destaque para Jane Austen, e contemporâneas, como Chimamanda Ngozi Adichie. Traduziu na Bazar do Tempo A idade da inocência, de Edith Wharton, e Um quarto só seu, de Virginia Woolf.