Débora Thomé
A violência sofrida pela ministra Marina Silva na última terça-feira (26/05) tem ocupado os debates e as redes sociais nos últimos dois dias, mesmo entre grupos de mulheres conservadoras. Mas nada há de muito novo no Reino da Dinamarca (ou no Poder Legislativo).

A ação, conhecida internacionalmente como manterrupting — um neologismo que resulta da junção de “man” (homem) e “interrupting” (interromper) — descreve a mania (sim, precisamente) de homens interromperem falas femininas, principalmente em contextos profissionais e políticos. É uma maneira de silenciar e enfraquecer a presença feminina nesses espaços de poder.
Essas interrupções podem ser sutis ou abertamente agressivas, mas seu impacto é o mesmo: impedem que a mulher desenvolva plenamente sua linha de raciocínio ou conclua um argumento. Ao privá-la desse direito, o interlocutor, deliberadamente ou não, questiona sua legitimidade e autoridade no debate público.
O caso de Marina não é uma percepção isolada, mas algo que já foi investigado academicamente. Em parceria com Mauricio Izumi (UFES), publiquei este ano uma pesquisa intitulada "Gênero, Dinâmicas de Poder Intrapartidárias e Manterrupting no Legislativo", na revista Dados, em que analisamos mais de 70 mil pronunciamentos realizados por parlamentares brasileiros entre 1995 e 2018.
Constatamos que essa prática ocorre com mais frequência quando a mulher ocupa uma posição de liderança. Ou seja, quanto mais poder ela tem dentro da estrutura política, maior a chance de sofrer interrupções. Isso nos leva a acreditar que essas ações não se destinam apenas a contestar falas, mas a enfraquecer a autoridade de figuras femininas que, de fato, exercem influência e protagonismo.
O resultado é a perpetuação de uma estrutura de poder excludente, que desestimula e marginaliza a atuação feminina no Legislativo. Não se trata apenas de gestos individuais ou descuidos momentâneos, mas de um sistema simbólico e de prática de silenciamento. Esse padrão termina por enfraquecer a democracia ao impedir que metade da população tenha sua representação plenamente ouvida e respeitada.
Débora Thomé é cientista política, pesquisadora FGV Cepesp, autora de “Candidatas: os primeiros passos das mulheres na política no Brasil”, com Malu Gatto.