Pedro Duarte – Parar para pensar

É com alegria que recebi o convite da Bazar do Tempo e do Pedro Duarte para estar nesse lançamento. Parar para pensar é coisa rara hoje em dia e pensar no contexto do mundo pós-Covid, sem o apagamento desse período terrível da nossa vida recente, é um alento. Acho que todos aqui conhecem o Pedro, a sua vivacidade ao pensar, a sua força argumentativa, a erudição que sempre me impressionou desde quando o conheci ainda muito jovem, a argúcia e atenção ao que está aí, no mundo, à nossa volta e mesmo dentro de nós. O livro é uma beleza. Dedicado ao professor de muitos de nós, Eduardo Jardim, sempre encorajador do pensamento crítico e da desconfiança do que se repete por aí, o livro traz também um agradecimento a Adauto Novaes, guerreiro da cultura, que há mais de 45 anos promove os ciclos de conferências que provocaram a escrita de parte dos capítulos de Parar para Pensar: temas de filosofia após a pandemia. É um trabalho editorial primoroso da Bazar do Tempo – parabéns Ciça e equipe – que traz uma bela capa com obra de Nuno Ramos. A extinção é para sempre, diz a primeira parte do título da obra de Nuno, mas ele é complementado por CHAMA/2021. Se era intenção do artista ou de Pedro, não sei, mas a extinção traz consigo uma chama acesa que não quer se extinguir. É nesse contexto da ameaça de extinção de tantas coisas que prezamos – da biodiversidade à ética, da vida boa em comum à liberdade e à solidariedade – que Pedro acende a sua chama.

Coragem para simplesmente ser

O livro é, desde logo, um ato de coragem, coragem que, aliás, é tema do quinto capítulo: “Medo e coragem”. Se “viver é perigoso”, como dizia Guimarães Rosa, é preciso coragem para enfrentar o medo e o perigo. Mas é mais do que isso: nos ensina Pedro que é preciso coragem para simplesmente ser. Já é corajoso deixar de apenas respirar, beber e comer, ou seja, de aplacar os imperativos da sobrevivência física e biológica, para se lançar em atos e palavras, na convivência plural que constitui o mundo. Isso exige coragem, pois significa passar do âmbito da necessidade para o da liberdade.

“Pois essa coragem é de todas e todos que são. Não é uma virtude de distinção de seres humanos especiais, é a virtude de ser, portanto, de ser humano.” (p.79)

Pensar o ser no mundo pandêmico

É preciso ainda mais coragem para pensar o ser nesse mundo pandêmico, não só de vírus respiratórios, mas também de patógenos autoritários, povoado por predadores que excluem, discriminam, humilham e matam. Não se trata de uma crise passageira, como a sanitária. Ao que tudo indica, vivemos uma mutação, uma alteração no viver que abarca toda a nossa existência. A corrida tecnológica e a destruição ambiental são apenas as pontas mais visíveis.

A pandemia parece que se extinguiu, mas, como tantos passados – como a ditadura civil-militar – não passou. “Somos feitos de história”, escreve Pedro.

O novo normal e suas ilusões

“Em suma, por que lembrar a pandemia de Covid-19, se ela já está resolvida? […] ¿ ainda há algo a pensar, se não sobre a pandemia, ao menos a partir dela, tendo em vista nossa experiência histórica?” (p.17)

A esperança de um mundo mais solidário, vista nos gestos anônimos durante o isolamento, se dissolveu com o fim das restrições. Restamos condenados ao “novo normal”, à continuidade progressiva da violência?

Distância, pensamento e o rosto do século XXI

Pedro nos convida ao distanciamento do juízo, a pensar a pandemia como fenômeno espantoso, simultaneamente “natural” e “social”, que define o rosto do nosso século.

“O outro não precisava mais de arma para que pudesse vir a me matar: bastava querer me tocar, ou mesmo respirar perto de mim. E ele podia ser quem mais amo.” (p.47)

Aprendemos com a pandemia?

Entre acaso e destino, perdemos os “nexos do mundo”. Pedro propõe pensar temas como coragem, medo, política, arte e amor a partir dessa nova condição humana. Um mundo onde o fim – climático, tecnológico, ético – está cada vez mais próximo.

Deixo, finalmente, uma pergunta: aprendemos com a pandemia?

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